Minha liberdade custou cinquenta dólares e tinha uma hora cravada para curtir o Soho. Depois de quase uma semana de andanças pela Big Apple, as necessidades femininas chamaram Marina de lado para um retiro estético urgente, onde ela pudesse refazer as unhas e dar um trato no cabelo num desses cabeleireiros pequenos ao lado de nosso hotel, em Little Italy. Era a minha chance de poder olhar as tendências da moda que recaem sobre o corpo das nova-iorquinas sem levar o troco em beliscões da amada-patroa.
Sem rumo e nem direção, a motivação era explorar o comércio começando pela Spring, no baixo-Manhattan, e traçar um circuito aleatório que varresse a região, descobrindo o que poderia atrair em um homem vagando sozinho e a partir de suas mazelas ou disposições. Me sentia um Daniel Boone, o primeiro herói do oeste dos Estados Unidos, que se aventurou por florestas repletas de indígenas no século XVIII, e que eu tanto assisti no seriado da tevê no século passado. Só me faltava usar aquele chapéu de pele de raposa. Ainda bem que não o encontrei em uma loja típica de adereços faroestianos.
Ao dobrar a esquerda na Elizabeth Street avistei um pirulito no pé direito de uma loja de parede com tijolos vermelhos. Aquele sinal me remeteu aos filmes dos anos 90 que ilustravam a rotina do Bronx, em que cada esquina tinha uma barbearia para as conversas reservadas masculinas, além dos penteados espalhafatosos que deram o que falar. Passei a mão em minha barba de três dias e decidi ir até lá. Fiquei paralisado em frente à vitrine da New York Shaving Company admirando os modelos de pincéis e navalhas em cabos de marfim, aço inox e de detalhes coloridos, quando o homem do caixa saiu detrás do balcão e foi à porta me convidar para conhecer a loja. John, o proprietário da Barbershop, de mosaico no chão, prateleiras em madeira com aspecto vintage e com apenas uma cadeira nos fundos, foi me mostrando os aromas dos cremes e de óleos para um barbear perfeito. Aquilo me fascinou. Perguntei quais as diferenças do traditional shave para o ultimate e optei pelo comum já que não tinha tempo suficiente para um relax a base da máscara cicatrizante. Por sorte, ele checou a agenda do dia e o horário estava vago. Gritou pelo nome de Eli e pediu para eu sentar na cadeira. A experiência começara.
John colocou no som ambiente uma música eletrônica suave. Não sou apreciador do gênero, mas acho que era uma house bem tranquila. Eli inclinou a cadeira para trás e prendeu um avental de pano xadrez vermelho sobre minha roupa. Tirou de um aquecedor térmico uma toalhinha quentíssima e a colocou em meu rosto, deixando as narinas para fora. O calor amolece a pele e abre os poros, ele explicou. Depois de alguns minutos, retirou-a. Despejou um óleo em suas mãos, esfregando-as para passar em toda a minha face. A pele ficou meio sebosa mas apta para suavizar o corte. O ritual seguinte foi de preparação do creme. Pegou uma cumbuca pequena e me sugeriu um especial de lavanda. Concordei. Ele bateu o creme com o pincel e um pouco de água para ganhar uma consistência mais avolumada. Então, repassou o creme da costeleta ao final de minha garganta e, com o dedo, acertou a parte do bigode. Desembrulhou uma nova lâmina descartável de uma marca desconhecida chamada Razor Fish e a ajeitou na navalha. Pronto. Eli demonstrou toda a sua técnica delicada. De olhos fechados, só escutava o deslizar da navalha em meu rosto. Eli não repetia o movimento no mesmo ponto. De prima, ele limpou a minha cara. Disse que é preciso respeitar o pelo. Nunca vá de em contra e veja antes se os pelos do pescoço vão para o mesmo sentido, completou. Em seguida, lavou a toalhinha debaixo de água fria e a reposicionou no rosto. De novo, com a ponta do nariz livre. É para fechar os poros, rebateu. A aspereza de minha pele foi para o espaço. Estava inteiramente lisa e cheirosa. Eli passou um creme hidratante sem perfume e, quando a pele estava seca, jogou talco em toda a parte do pescoço.
Me levantei da cadeira maravilhado com todo o processo. Foi um sonho realizado, falei para John. A sensação deixada me contagiou. A empolgação foi tanta que acabei gastando mais trezentos dólares na fantasia de repetir o sucesso na pia de casa. Ademais, dei uma gorjeta gorda a Eli, de vinte bucks, o que gerou espanto em John. Ele me ofereceu uma dose de whisky Jack Daniel’s antes de partir, prontamente aceita. Ficamos os três papeando sobre a reviravolta das barbearias, que retomaram ao cotidiano depois do ostracismo. Quem sabe levava a ideia também para cosmopolita Sampa.
John me ofereceu uma segunda dose, me fazendo esticar o braço para pegar o copo e me lembrar da hora no relógio. Já se passaram quase duas. Meu deus, a Marina vai me matar. Meio altinho, me despedi de John e Eli, e corri para o hotel. Mas onde você estava? Liguei para o teu celular que só cai na caixa postal, alfinetou Marina. Pois é, o celular está aqui no quarto, amor. Deixei para recarregar. Onde você se meteu e que cheiro é esse? Má, fui fazer a barba. Preciso te contar. Olha só o que comprei. Tudo bem, amor. Marina se aproximou e acariciou a mão em meu rosto. Nossa, está um delícia, perfumada de lavanda. Mas o que você precisa mesmo é de um banho. E a barba? A água vai tirar o creme, contestei. Amorzinho, tá de pele macia mas fedidinho. Vai pra debaixo da água, vai.